30 de jan. de 2010


Trechos do texto de Cora Ronái e meu comentário.
"TRALHA"
Cora Ronái
28/01/2010

" Do que é que precisamos para sobreviver? No nível mais elementar, água, comida, abrigo dependendo da ocasião e do hemisfério, cobertura contra sol e chuva. Os demais mamíferos do planeta se viram, no mais das vezes, sem os dois últimos itens. Indo um passo além, panos que nos protejam, curas para dores e machucados, histórias para contar e ouvir. Vasilhames para guardar a comida. Alguma forma de organização social para ordenar o convívio. Um adorno corporal, uma pintura rupestre."
"-Nada sobre o planeta se reproduz com a alarmante velocidade da tralha.
Patinhos de borracha, fitas do Bonfim, amuletos de toda sorte, canecas das mais variadas cores e formas, flores artificiais, enfeites de fibra ótica, miniaspiradores que não funcionam nem quando nascem, relógios, ímãs de geladeira, cristais, buttons, canetas que escrevem quatro dias e morrem no quinto, canetas que até escrevem direito mas das quais ninguém troca a carga, modelos de carros e de aviões, espelhos, esculturas medonhas representando o que existe e o que não existe, bandejas, porta-documentos e, invariavelmente, uma quantidade de chaveiros que desafia o crescimento demográfico. A lista não tem fim.
Sou tomada por uma vaga sensação de pânico quando vejo pilhas de tralha, seja em antiquários, mercados populares, lojas milionárias ou camelôs. Em dias de propensão filosófica, imagino milhões de chineses trabalhando dia e noite, imagino compradores e exportadores, imagino guindastes, estivadores e cardumes de navios cruzando os oceanos, carregados de contêineres abarrotados.
"-Na verdade, tenho uma quantidade ridícula de coisas, superior, provavelmente, a tudo o que todos os meus antepassados, juntos, jamais conseguiram reunir. E é tudo tralha! Nada que faça a fortuna dos filhos quando eu morrer, nada que possa ser cobiçado por amantes da arte ou de velharias, porque o eventual valor do que me cerca está ligado a momentos emocionais, e é intransferível."

*


Taí, agora posso falar dessa inquietude que me atinge. Descobri-me uma colecionadora de tralhas que são apenas pesos que não me permitem voar.
Queria ter coragem para fazer um brechó de doação, arrumar prateiras onde as pessoas pegariam o que quisessem e no fim eu daria uma festa de agradecimento por me fazerem livre.
Identificação em tudo o que ela diz e ainda por cima, a espera por um momento que sinto próximo quando sairei daqui para Minas Gerais, isso tudo junto é nitroglicerina pura em meu sangue, me faz envelhecer rapidamente e me angustia, pois quero chegar lá ainda com algum fulgor de jovialidade.
As tralhas pesam na alma e não nos damos conta o quanto, apenas quando vemos os planos ficando distantes e o cotidiano vira matéria de lembrança para o dia seguinte e os outros que rapidamente chegarão...

Marilia

ps: a fotopostada, é porque estava procurando por uma que tivesse a ver com o texto e encontrei essa com a "tralhinha" do Constantino dormindo onde bem entende...